Warcraft em 2024: Como a Blizzard Mantém Vivo um Universo Lendário
Poucas franquias carregam tanto peso e história quanto Warcraft. Em 2024, a criação da Blizzard celebrou 30 anos de existência, marcando gerações de jogadores com sua mitologia rica, personagens icônicos e um legado que ultrapassa os limites dos gêneros.
Para refletir sobre essa trajetória e os desafios de manter um universo tão vasto e vivo, a GameHall conversou com três nomes que atuam diretamente nos bastidores da marca: Jason MacAllister, Head de Engenharia de Hearthstone, Kevin Vigue, engenheiro de software sênior responsável por World of Warcraft Classic, e Nara da Silva, designer de experiência do usuário em World of Warcraft.
Confira a entrevista:
GameHall: Quais são os maiores desafios técnicos e criativos ao manter uma franquia tão longa e diversificada como Warcraft relevante para diferentes gerações de jogadores?
Nara da Silva: Bom, acho que não dá para afirmar objetivamente que fazemos algo pensando em todo mundo ao mesmo tempo. Mas a gente tenta respeitar o que o jogador já conhece, como se ele estivesse acumulando conhecimento ao longo do tempo. Por isso, buscamos preservar isso.
Também trabalhamos de forma em camadas. Se alguém está começando agora, não vai se sentir sobrecarregado com o conteúdo. Mas se for um jogador veterano ou mais experiente, ele vai tentar explorar mais, mergulhar no universo do jogo e vai encontrar coisas novas. Não é como se ele já soubesse tudo de cara.
Essa é a forma como lidamos com o conteúdo. Ele se adapta ao nível de experiência do jogador, oferecendo algo diferente no mesmo momento, dependendo de quem está jogando.
Kevin Vigue: Posso falar sobre isso com base na minha experiência. Trabalho principalmente com o World of Warcraft Classic, sendo um jogo realmente incrível e muito interessante de desenvolver. E, claro, há muitas pessoas envolvidas, porque o projeto do WoW Classic começou justamente a partir do pedido dos fãs — eles queriam jogar a versão clássica do jogo. Quando anunciamos que faríamos isso, começamos a desenvolver e havia essa expectativa de que o Classic seria só para quem jogou lá atrás.
Mas, na verdade, ele também conquistou uma nova geração de jogadores. Temos várias pessoas na equipe hoje que trabalham com o WoW Classic e que, apesar de ninguém ser mais jovem que o próprio jogo, estão bem perto disso. Tem gente que só conheceu o World of Warcraft ao começar pelo Classic. Já ouvi relatos de pessoas dizendo: “Eu não era velho o suficiente para jogar quando o Classic foi lançado originalmente, mas comecei em 2019, quando relançaram, e me apaixonei pelo jogo. Percebi que ele é incrível, mesmo sendo de outra época.”
Essas pessoas conseguiram se conectar com o jogo, formar comunidades e tudo mais. A gente vê isso claramente com coisas como o modo Hardcore, que se tornou bem popular no Twitch e em comunidades de streaming. O Hardcore foi algo que também nasceu de um pedido da comunidade, eles demonstraram interesse, a gente criou, e isso acabou trazendo o WoW Classic para um cenário moderno, conectado com essa cultura de lives e redes sociais.
Isso mostra a força do World of Warcraft: até mesmo a versão clássica do jogo ainda consegue se conectar com o que as pessoas buscam hoje e com o que os jogadores realmente querem.
Jason MacAllister: E falando do lado de Hearthstone, como engenheiro de software, vou aproveitar sua menção aos desafios técnicos. Quando começamos a desenvolver Hearthstone, a gente não fazia ideia de que o jogo se tornaria tão popular ou duraria tanto tempo quanto durou.
Do ponto de vista da engenharia, aprendemos muita coisa ao longo do tempo — como maneiras melhores de estruturar o jogo para permitir esse processo contínuo de adicionar mais e mais cartas. Hoje, por exemplo, o cliente do jogo já é bem pesado no celular ou em outros dispositivos, mas fazemos o possível para que o jogador baixe apenas as cartas que precisa para jogar, o que foi algo que tivemos que implementar depois.
No início, isso não fazia tanta diferença, mas depois de 10 anos de conteúdo acumulado, isso se tornou algo essencial para manter a experiência fluida e acessível.
GameHall: Para cada um de vocês: como foi o seu envolvimento pessoal com as franquias Warcraft, World of Warcraft Classic e Hearthstone, e de que forma suas áreas específicas influenciam diretamente na experiência dos jogadores?
Kevin Vigue: Sou jogador de World of Warcraft há muito tempo. Também jogo bastante Warcraft Rumble, e no momento estou rejogando Warcraft 3, que continua incrível — tão bom quanto quando joguei na época da escola. Já experimentei o World of Warcraft por vários lados, e atualmente jogo tanto o WoW Classic quanto o War Within.
No War Within, meu estilo é mais parecido com o que a Nara comentou antes. Faço muito conteúdo de Mythic+. Tenho um grupo de amigos e a gente se reúne quase todos os dias da semana para jogar, subir as chaves e melhorar nossa pontuação. No momento, estamos tentando alcançar 3.000 de qualificação. Então, esse é o jogo que encaro com mais intensidade.
Já no WoW Classic, faço justamente o contrário. Jogo com minha parceira, e é o nosso jogo tranquilo, tipo aquele que a gente gosta de jogar num domingo de manhã, com uma xícara de chá. A gente entra no jogo, curte a vibe, explora, encontra tesouros, lê as missões com calma e admira o mundo. É uma experiência mais relaxada, e gostamos muito disso.
Essa é a minha vivência pessoal com o jogo. E isso influencia bastante a forma como vejo o desenvolvimento, porque me lembra que existem vários tipos de jogadores. Tem quem queira se dedicar intensamente, tem quem prefira aproveitar com calma, e tem quem goste de fazer ambos.
Nara da Silva: Como comecei a jogar não faz tanto tempo, ainda tenho bem fresca na memória a experiência de quem está começando agora. No momento, estou bem envolvido com o modo Hardcore. O que gosto mesmo é de jogar tudo que acabou de ser lançado na nova expansão e nos conteúdos mais recentes do World of Warcraft. Assim, consigo entender como transformar alguns dos conhecimentos que os jogadores mais experientes têm em algo mais acessível para quem está chegando agora — e mostrar que eles também podem fazer parte disso.
Tem muita coisa que você só aprende com tempo de jogo, pesquisa e dedicação, o que também é muito legal. Meu foco está em melhorar a experiência daquele jogador intermediário já envolvido no jogo, especialmente no que diz respeito à interface de combate e aos recursos usados em momentos de pressão.
É nessa parte que eu realmente atuo e onde acredito que consigo contribuir mais. Meu time, as pessoas que trabalham comigo, também estão muito envolvidas com isso: o combate em si, os momentos em que o jogador precisa lidar com várias informações ao mesmo tempo. Você tem um tempo de recarga para controlar, um efeito ativado (proc), a posição do chefe, toda a dinâmica da jogabilidade. Então, é nessa parte que acho que consigo ajudar de forma mais significativa.
Jason MacAllister: Uma das experiências mais interessantes como desenvolvedor e jogador é que fazemos muitos playtests enquanto trabalhamos no jogo. Às vezes estou testando coisas que não foram feitas diretamente por mim, como uma expansão que vai ser lançada em breve, ou até algo que continua na fase inicial de design e só deve chegar daqui a um ano ou mais. Pode ser também uma nova temporada do Battlegrounds, com conteúdos inéditos ou até cartas antigas voltando ao jogo.
É divertido participar desses testes e vivenciar tudo isso, mas às vezes rola uma certa confusão: “Ok, o que já está disponível agora?” Como jogador, quando uma expansão nova chega, fico empolgado para montar um deck e penso: “Quais cartas eu posso usar no momento?” Porque sei que tem outras chegando no futuro, e aí começo a imaginar combinações legais com cartas que ainda não estão disponíveis. Mas, por enquanto, preciso focar no que está acessível agora.
E com Battlegrounds acontece algo parecido. Tipo, “O Rylak voltou para o jogo! Que legal!” Mas logo depois lembro: “Ah, aquela outra carta que vai voltar também ainda não está disponível.” Então não dá para combinar ambas ainda.
Esse é um dos desafios de conciliar ambos os lados — como desenvolvedor, você sabe o que está por vir; mas como jogador, precisa se concentrar no que pode realmente jogar no momento, no que está ativo no jogo ao vivo.
GameHall: Em três décadas de história, Warcraft passou por grandes transformações técnicas e culturais. Quais momentos vocês destacariam como pontos de virada importantes para a franquia e para a forma como os jogadores a enxergam?
Kevin Vigue: Acho que eu escolheria o mais óbvio: o lançamento de World of Warcraft. Foi algo muito marcante. A gente já jogava os RTS antes, e quando experimentei esses jogos pela primeira vez, pensava “Nossa, esse mundo é incrível, esses personagens são muito legais. Queria poder estar dentro desse universo, e não só como uma câmera flutuando acima das unidades.” E de repente, você podia. Isso foi simplesmente incrível na época.
Ver como World of Warcraft evoluiu desde então, explorando novos gêneros como jogos de cartas ou estratégias como o Rumble, partindo das raízes no jogo de estratégia, foi fascinante. E, ao mesmo tempo, o jogo conseguiu manter o espírito original. Tudo ainda se passa no mesmo universo. É aquele mesmo mundo de Warcraft, que mistura o lado épico da fantasia com um lado totalmente bobo e divertido.
Você tem momentos grandiosos como Arthas destruindo Dalaran, mas também tem os kobolds com suas velas e toda aquela galhofa. E ver esse espírito sendo mantido em todos os jogos da franquia, essa mistura de fantasia épica com humor, é algo muito especial.
Nara da Silva: O ponto de virada, para mim, foi quando introduziram o sistema de voo com dragões. Mesmo sem conhecer muito da lore, senti que aquilo representava uma mudança significativa. De repente, dava para alcançar lugares com uma liberdade e velocidade que transformaram completamente a forma de explorar o mundo. Foi um momento que realmente ficou marcado para mim no jogo.
Jason MacAllister: Acho que vocês já mencionaram Hearthstone, e onde o Kevin falou sobre a adição de novos modos de jogo, poder jogar um card game dentro daquele universo de Warcraft. Do ponto de vista da ambientação, Hearthstone trouxe um tipo de humor mais excêntrico que não era tão evidente em Warcraft. Desde os primeiros jogos já existiam momentos engraçados, como clicar várias vezes em uma ovelha até ela explodir, mas Hearthstone realmente abraçou esse lado mais divertido.
Ele trouxe uma abordagem menos séria para histórias que, originalmente, eram bem épicas ou sombrias em Warcraft. Foi muito legal ver isso acontecer e também acompanhar como Hearthstone acabou desenvolvendo seus próprios personagens, como a Liga dos Exploradores, que depois apareceram de volta em World of Warcraft, por exemplo.
É muito legal ver essa troca entre os jogos, como eles vão construindo uma narrativa conjunta. Foi divertido acompanhar isso tudo.
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