“Proibir celular nas escolas é urgente”; entenda como aparelho prejudica alunos
São Paulo está prestes a se tornar o primeiro estado brasileiro a proibir uso de celulares em sala de aula. O projeto da deputada Marina Helou (Rede Sustentabilidade) foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa do estado hoje (12), e agora segue para sansão do governador Tarcísio Freitas. O projeto paulista, contudo, pode acabar sendo suplantado por um texto similar que tramita no Congresso Nacional e que tem grandes chances de se tornar lei federal.
O uso de smartphones por crianças e adolescentes nas escolas prejudica o aprendizado, comprometendo o desenvolvimento da capacidade de concentração no cérebro dos jovens, segundo a professora e pedagoga Mariana Marinho.
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Ela também é autora do livro “Novidades na Mochila”, da editora Paulinas, que aborda os desafios da primeira infância, especialmente a introdução das crianças à escola. Marinho conversou com o Canaltech para esclarecer a percepção dos educadores sobre o projeto de lei que busca proibir o uso de celulares e outros eletrônicos individuais por alunos em ambiente escolar em todo o Brasil.
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“Na minha opinião, e na opinião dos docentes com quem converso, proibir o celular nas escolas é necessário. É urgente, inclusive”, disse Marinho em entrevista ao Canaltech. “Não estaríamos aqui discutindo isso se os adultos tivessem se dado conta antes do estrago que o celular já causou”.
Após um movimento do Ministério da Educação indicando que buscaria proibir o uso dos eletrônicos em escolas de todo o país, a Câmara dos Deputados em Brasília se adiantou e foi recuperar um projeto de lei que circula no Congresso desde 2015: o PL104/2015, de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS). A proposta já foi aprovada no fim de outubro na Comissão de Educação da Câmara e busca restringir o uso do celular em sala de aula.
Caso o projeto se torne lei federal, alunos da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental não poderiam sequer levar o celular para escolas particulares e públicas de todo o Brasil. Adolescentes cursando os anos finais do ensino fundamental e médio teriam permissão para levar os smartphones para o ambiente de ensino, mas só poderiam utilizá-lo sob supervisão de professores.
“Não podemos permitir que, dentro da sala de aula e no espaço escolar — que é um ambiente privilegiado de convivência —, esse tempo especial de aprendizado entre iguais, de cooperação e de construção de amizades e conexões seja interrompido. É ali que as crianças aprendem a aprender, e esse aprendizado se desfaz quando elas se isolam em seus próprios universos. Esse isolamento acaba consumindo a experiência de estar presente e aprender junto aos outros, e é exatamente isso que eu quero enfatizar.”
Tempo na escola é muito especial para ser desperdiçado no celular, segundo Mariana Marinho (Imamge: WOKANDAPIX/Pixabay)
Como o celular afeta o cérebro de crianças e adolescentes
Marinho não aponta o smartphone em si como o cerne do problema dessa discussão, mas sim as aplicações que podem ser usadas a partir dele. Plataformas sociais como Instagram, YouTube, TikTok e outras é que capturam a atenção dos jovens, segundo a especialista.
Desenvolvidas para estimular rapidamente recompensas de dopamina — um dos “hormônios da felicidade” —, essas plataformas impactam crianças e adolescentes de maneira mais intensa, pois seus cérebros ainda estão em desenvolvimento.
“O impacto é muito significativo, especialmente em crianças menores, como as do Ensino Fundamental I, que ainda estão desenvolvendo sua capacidade de concentração”, explica a professora, que acumula mais de 30 anos de experiência em sala de aula. “Pesquisas neurológicas já comprovaram que o cérebro entra em um ciclo de recompensa ao receber essas doses de dopamina. Estamos lidando com hormônios que geram um efeito semelhante ao das drogas, como o cigarro, ou até ao impacto do chocolate no cérebro infantil”.
Marinho esclarece que, ao usar o celular e redes sociais no período de aula, as crianças interrompem o processo de aprendizado com essas doses de dopamina, o que as incentiva a continuar “mergulhadas no dispositivo como zumbis”, disse Marinho. A consequência disso é a falta de concentração.
Proibir celular na escola tem amplo apoio da sociedade
Existem 120 linhas de celular ativas no Brasil para cada 100 habitantes, segundo dados da Anatel de setembro de 2024. Isso indica que o smartphone se tornou um item de necessidade básica entre os brasileiros, disseminado entre todas as classes sociais e faixas etárias. Ainda assim, uma pesquisa da Nexus realizada na última semana de outubro deste ano apontou que 85% dos brasileiros é a favor de proibir ou limitar o uso de celulares nas escolas.
Foram entrevistadas mais de duas mil pessoas em todos os estados brasileiros, e os resultados são mais favoráveis ao PL104/2015 na Região Sul, onde a taxa de aprovação da medida ultrapassa os 90%. Também parece haver consenso entre as faixas etárias.
Faixa etária Favoráveis à proibição total (%) Contrários à proibição (parcial ou total) (%) Contrários à proibição (parcial ou total) (%) Total 54 32 14 16 a 24 anos 46 43 11 25 a 40 anos 57 31 12 41 a 59 anos 58 27 15 60 anos ou mais 51 32 16
Outro dado curioso levantado pela pesquisa da Nexus é que, quanto maior a renda familiar, maior também é o apoio à proibição do uso de celulares em escolas.
Renda Favoráveis à proibição total (%) Contrários à proibição (%) Até 1 salário mínimo 54 17 Acima de 5 salários mínimos 67 5 População geral 54 14
“Pais usam o celular como forma de ‘calar’ a criança”
Lilian Caetano, terapeuta e mãe de uma menina de seis anos que já frequenta a escola, vê riscos em deixar um smartphone com a filha sem supervisão. Ela pensa que só permitirá que a menina tenha acesso às redes sociais quando for mais velha.
“Quando eu perceber que ela tem maturidade e responsabilidade — pois a internet é uma ‘terra sem lei’ — eu vou permitir que ela tenha acesso”, disse a curitibana de 32 anos. “Há muita questão de comparação, bullying… Então, quando ela demonstrar mais responsabilidade e entender como as outras pessoas a enxergam nas redes sociais, talvez após os 15 anos, eu daria permissão”.
Sobre a aprovação do PL104/2015 na Câmara, Caetano segue a opinião da maioria dos brasileiros: é a favor. Contudo, não deixa de reconhecer o valor que a tecnologia pode agregar na formação da filha. Ao mesmo tempo, Lilian afirma que é comum ver pais deixarem suas crianças no celular sem supervisão. “Como terapeuta, percebo que muitos pais usam o celular até como uma forma de ‘calar’ a criança”.
O projeto de lei que busca restringir ou proibir o uso de celular por crianças na escola agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça. Caso seja aprovado, a pauta ainda deve passar pelo Senado e, em seguida, precisa ser sancionada pelo Presidente Lula (PT) para entrar em vigor. A expectativa do Governo é que tudo isso aconteça ainda em 2024.
Leia a matéria no Canaltech.