DestaqueEconomiaNewsPrincipais notícias

Os desafios que a Tesla tem que vencer — além das polêmicas em torno de Elon Musk

“Há três anos, este é o carro que integra nossa família – um verdadeiro sonho“, como afirma Ben Kilbey à BBC enquanto exibe seu reluzente Tesla Model Y, de um branco perolizado.

Ben é um entusiasta declarado dos veículos elétricos. À frente de uma empresa de comunicação que promove negócios sustentáveis no Reino Unido, ele conta que chegou o momento de vender o Model Y, motivado pelo seu descontentamento com as atitudes de Elon Musk, CEO da Tesla. Em especial, Ben repudia a forma como Musk lidou com a dispensa de funcionários do governo dos EUA.

Não apoio a polarização nem comportamentos desprovidos de empatia. Existem maneiras de agir sem excluir ou desmerecer as pessoas” , explica Ben, reforçando seu desagrado com atitudes depreciativas.

Elon Musk com as mãos na frente do rosto e expressão preocupada
Musk possui várias tarefas e tem dificuldade em gerir tudo (Imagem: Frederic Legrand – COMEO/Shutterstock)

Essa postura se insere em movimento mais amplo de contestação às atitudes de Musk, que ganhou força desde que o executivo passou a comandar o controverso Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês), responsável por reduzir os gastos do governo federal.

Além disso, Musk se envolveu em política internacional, participando de um vídeo em comício do partido de direita radical Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) antes das eleições parlamentares, e promovendo ataques online contra políticos britânicos, incluindo o primeiro-ministro Keir Starmer. Para alguns críticos, essas ações ultrapassaram todos os limites.

Manifestantes se reuniram em frente a diversas concessionárias da Tesla, não só nos EUA, mas, também, no Canadá, Reino Unido, Alemanha e Portugal. Embora a maioria dos protestos tenha sido pacífica, houve episódios de vandalismo envolvendo showrooms, estações de recarga e veículos – com alguns carros incendiados em incidentes isolados na França e na Alemanha.

Nos Estados Unidos, o Tesla Cybertruck – a caminhonete metálica de design angular – tornou-se alvo especial do sentimento anti-Musk. Diversos vídeos nas redes sociais mostram o veículo pichado com suásticas, coberto de lixo ou até utilizado como rampa de skate.

O presidente dos EUA, Donald Trump, foi rápido em demonstrar apoio à Tesla, permitindo que a empresa exibisse seus carros em frente à Casa Branca e anunciando sua intenção de adquirir um. Segundo ele, os ataques violentos aos showrooms deveriam ser tratados como “terrorismo doméstico”.

Musk, por sua vez, respondeu de forma enfática: “Esse nível de violência é insano e profundamente errado”, enfatizou em entrevista à Fox News, destacando que a Tesla fabrica apenas carros elétricos e não merece tais agressões.

Ainda é difícil mensurar exatamente o impacto dessas controvérsias sobre o desempenho da Tesla – e até que ponto as opiniões de Musk, bem como seu envolvimento com o governo Trump, possam ter afetado a marca e afastado alguns consumidores tradicionais de veículos elétricos. Se esse for o caso, resta saber se a Tesla conseguirá manter sua trajetória de sucesso enquanto Musk permanece à frente dela.

Tesla: uma história de transformação

  • Há cerca de 20 anos, a Tesla era apenas uma pequena startup no Vale do Silício, com equipe reduzida e grandes sonhos de revolucionar a indústria automobilística;
  • Hoje, a marca é líder global em vendas de veículos elétricos, com imensas fábricas espalhadas pelo mundo e é reconhecida por demonstrar que os carros elétricos podem ser rápidos, potentes, divertidos e práticos;
  • Musk, o principal rosto da empresa, impulsionou essa transformação desde que se juntou à Tesla em 2004, atuando como presidente e principal financiador, e assumiu o cargo de CEO quatro anos depois;
  • Sob sua liderança, a Tesla se tornou pioneira ao colocar os veículos elétricos no mercado de massa, incentivando outros fabricantes a investirem na tecnologia e aumentando a conscientização sobre o tema.

É impressionante recordar que, não muito tempo atrás, os veículos elétricos eram vistos como lentos, sem graça e com autonomia limitada. O lançamento do Tesla Model S em 2012, com desempenho comparável ao de um carro esportivo e autonomia superior a 400 quilômetros, foi crucial para mudar essa percepção e impulsionar o crescimento acelerado do setor.

Hoje, a Tesla não se limita a produzir automóveis. A empresa investe fortemente em sistemas de direção autônoma, com o objetivo de lançar frotas de robô-táxis sem motorista. Também expandiu sua atuação para o armazenamento de energia e está desenvolvendo um robô humanoide, batizado de Optimus.

Assim como Steve Jobs se tornou sinônimo da Apple, Musk encarna a marca, sempre presente em eventos e lançamentos, e possui uma legião de admiradores. Contudo, recentemente, o executivo também ganhou notoriedade por difundir suas opiniões políticas por meio do X, enquanto a própria Tesla enfrenta desafios cada vez maiores.

Tesla Model Y
Apesar das dificuldades, o Model Y foi o veículo mais vendido no ano passado (Imagem: Artistic Operations/Shutterstock)

Desafios e queda nas vendas

Embora o Model Y tenha sido o carro mais vendido do mundo no último ano, as vendas totais da Tesla caíram pela primeira vez em mais de uma década, passando de 1,81 milhão para 1,79 milhão de unidades. Mesmo que o declínio seja pequeno, em uma empresa orientada para o crescimento, essa redução, acompanhada de queda no lucro anual, já serve de alerta.

O início deste ano foi especialmente complicado na Europa, onde os novos registros de veículos caíram 45% em janeiro de 2024 em relação ao mesmo mês do ano anterior. Em fevereiro, os principais mercados europeus novamente registraram declínios, com exceção do Reino Unido, que teve aumento de 21% nas vendas, e a Austrália. Paralelamente, as remessas dos carros fabricados na China – destinados tanto ao mercado interno quanto ao externo – sofreram queda de mais de 49% no mesmo período.

No começo de março, o analista Joseph Spak, do UBS, previu queda de 5% nas vendas globais da Tesla para este ano, contrariando as expectativas de crescimento de 10%. Essa previsão provocou queda brusca de 15% no valor das ações em um único dia, contribuindo para desvalorização de 40% desde o início do ano.

Pesquisa realizada pela Morning Consult Intelligence aponta que as atitudes de Musk têm prejudicado a Tesla, principalmente na União Europeia (UE) e no Canadá, embora não tenham o mesmo impacto na China, um dos maiores mercados da empresa.

Nos EUA, a situação é mais complexa, pois muitos consumidores aprovam os cortes nos gastos do governo promovidos pelo DOGE, mas a pesquisa ressalta que Musk pode estar afastando compradores de alta renda, colocando a Tesla em desvantagem frente a outros concorrentes.

A Tesla não comentou sobre a queda nas vendas em resposta às indagações da BBC. Entretanto, especialistas acreditam que os problemas enfrentados pela empresa vão além das controvérsias envolvendo a imagem de seu CEO.

Inovação estagnada e concorrência crescente

A linha atual de modelos da Tesla, que já foi considerada revolucionária, hoje, parece perder seu brilho. O Model S, lançado em 2012, e o Model X, em 2015, já não surpreendem como antes. Mesmo os mais recentes e acessíveis Model 3 e Model Y começam a parecer desatualizados em mercado cada vez mais competitivo.

Segundo Stephanie Valdez Streaty, diretora de insights de mercado na Cox Automotive, a única novidade significativa foi o lançamento da Cybertruck – modelo ainda de nicho –, e as atualizações no Model Y não geraram grande repercussão.

Peter Wells, diretor do Centro de Pesquisa do Setor Automotivo da Universidade de Cardiff (País de Gales), observa que a falta de inovação na linha de produtos pode ser um dos principais entraves para a Tesla, sugerindo que Musk deveria buscar novas direções.

A concorrência vem de diversos lados. Fabricantes tradicionais, como Kia e Hyundai, estão investindo fortemente na transição para veículos elétricos e ganhando reputação pela qualidade de seus carros movidos a bateria.

Simultaneamente, uma série de novas marcas chinesas, como BYD, Xpeng e Nio, está emergindo – oferecendo desde modelos com excelente desempenho e preços competitivos até veículos sofisticados focados no segmento de luxo e tecnologia de ponta. Valdez Streaty destaca que os incentivos e subsídios na China têm impulsionado essas empresas, representando ameaça significativa não só para a Tesla, mas para todo o setor.

Essa ameaça foi evidenciada em meados de março, quando a BYD anunciou desenvolvimento de sistema de carregamento ultrarrápido que promete fornecer 400 quilômetros de autonomia em apenas cinco minutos, superando a capacidade da rede de supercarregadores da Tesla.

Tesla Cybertruck
Lançamento da Cybertruck foi o que mais movimentou o mercado da empresa nos últimos anos (Imagem: Mike Mareen/Shutterstock)

Leia mais:

Robô-táxis da Tesla e sobrecarga de Musk

Durante as teleconferências de resultados da Tesla, Musk enfatizou suas prioridades no desenvolvimento de veículos autônomos. Em janeiro, ele afirmou que um serviço de robô-táxi estaria operando no Texas (EUA) até junho, o que gerou ceticismo entre analistas, lembrando promessas similares feitas em 2019, quando Musk previu um milhão de Teslas capazes de operar como táxis autônomos.

Enquanto isso, o sistema Full Self Driving (FSD) da Tesla ainda requer que o motorista permaneça atento o tempo todo. Jay Nagley, da consultoria Redspy, critica a repetição dessas promessas, afirmando que, a cada ano, surge uma nova garantia de que os carros autônomos estão chegando – mas eles parecem nunca se materializar.

A situação levanta uma questão: será que Musk está realmente conseguindo conciliar todas as suas atividades? A Tesla precisa de uma liderança forte e focada, mas o CEO, atualmente, divide sua atenção entre diversos empreendimentos – como o X, a empresa de inteligência artificial (IA) xAI e a companhia espacial SpaceX, que, recentemente, enfrentou problemas com os lançamentos do foguete Starship.

Em entrevista à Fox Business, quando questionado sobre como consegue administrar tantas responsabilidades, Musk respondeu: “Com grande dificuldade”.

Peter Wells ressalta que é complicado identificar até que ponto Musk está diretamente envolvido nas decisões estratégicas da Tesla, como o posicionamento de produtos e a localização de fábricas. Se ele é o responsável por essas escolhas fundamentais, é imprescindível que a liderança seja 100% comprometida e tenha profundo conhecimento do setor automotivo.

Desde sua entrada na empresa, o controle de Musk na Tesla tem sido inquestionável. Atualmente, ele permanece como o maior acionista individual, com participação de 13% – avaliada em mais de US$ 95 bilhões (R$ 537,9 bilhões, na conversão direta) – equivalente às somas combinadas de gigantes do investimento, como Vanguard e Blackrock, enquanto outras instituições, como State Street Bank e Morgan Stanley, mantêm participações menores.

Para os investidores, embora as recentes quedas no preço das ações tenham sido desagradáveis, o valor atual ainda está quase 30% acima do registrado há um ano, e o declínio recente apenas compensou o crescimento acentuado observado após as eleições, que, praticamente, dobrou o valor de mercado da empresa.

Pedidos pela saída de Musk

Hoje, a Tesla é avaliada em mais de 100 vezes seus lucros, múltiplo muito superior ao de concorrentes, como Ford, General Motors (GM) e Toyota, o que indica que os investidores continuam depositando grandes expectativas em avanços tecnológicos e crescimento acelerado.

No entanto, Jay Nagley observa que a empresa está sendo valorizada como se dominasse tanto o mercado de veículos elétricos quanto o futuro dos robô-táxis e carros autônomos – cenários que parecem cada vez mais distantes diante da crescente força dos fabricantes chineses.

Embora os principais investidores não estejam se mobilizando por mudanças imediatas, alguns críticos, como o gerente de fundos de investimento Ross Gerber, chegaram a pedir a renúncia de Musk.

Especialistas, por sua vez, acreditam que a Tesla se beneficiaria enormemente de uma nova liderança. Matthias Schmidt, da consultoria Schmidt Automotive Research, defende que um novo CEO seria “a melhor solução para a empresa neste momento”, eliminando a “contaminação tóxica” associada a Musk, resolvendo os conflitos de interesse ligados ao seu cargo no DOGE e permitindo dedicação integral ao negócio automotivo.

Peter Wells conclui que a Tesla precisa urgentemente de alguém com sólida experiência no setor, capaz de racionalizar as operações e orientar a empresa rumo à nova fase de crescimento.

BYD vs. Tesla
Concorrência de chinesas, como a BYD, e de outras montadoras, é outro problema para a Tesla (Imagem: ssi77/Shutterstock)

Em suma, enquanto a Tesla segue sua trajetória como líder mundial em veículos elétricos, os desafios impostos pela estagnação de sua linha de produtos, a intensa concorrência internacional e as controvérsias envolvendo seu carismático – porém polêmico – CEO levantam dúvidas sobre a continuidade desse sucesso.

A resposta para o futuro da empresa pode depender, em grande parte, de renovação na liderança e de foco mais concentrado no setor automotivo.

O post Os desafios que a Tesla tem que vencer — além das polêmicas em torno de Elon Musk apareceu primeiro em Olhar Digital.

Facebook Comments Box