O que está por trás do fascínio humano por sentir medo?
Nos fins de semana, meu parceiro e eu passamos horas assistindo a gravações de supostas atividades paranormais. É quase viciante. Mesmo com o medo causando aquele frio na barriga, não conseguimos parar. Talvez porque, no fundo, sabemos que nada daquilo é real.
Muitas pessoas também escolhem entretenimentos que provocam um medo semelhante, sejam maratonas de filmes de terror, histórias de crimes reais do passado ou jogos de horror cheios de sustos. Algumas preferem ir além, vivenciar a experiência de uma casa mal-assombrada. Mas por que gostamos disso?
A professora de Psicologia da Penn State, Sarah Kollat, escreve em um artigo publicado no The Conversation os motivos por trás do nosso fascínio por sentir medo e por que isso não seria algo ruim.
Sentir medo pode ser bom. Por quê?
Primeiramente, sentir medo pode te acalmar. Estar em um ambiente controlado, ou seja, com a consciência de que não é real, oferece a adrenalina do susto sem perigo, trazendo prazer e alívio depois.
Em segundo lugar, passar por experiências de medo com amigos ou parceiros pode criar e fortalecer os vínculos emocionais.
E, terceiro, e talvez mais importante, a exposição ao medo artificial pode te preparar para enfrentar ameaças reais no futuro.
O medo te acalma
Após um dia estressante, sentir medo de forma artificial pode ser um meio de relaxar o corpo. Segundo Kollat, estar em situações controladas de perigo provoca a euforia fisiológica do susto sem oferecer risco real. Durante essas experiências, o corpo reage com adrenalina e ativa o mecanismo de luta ou fuga, preparando-se para enfrentar ou escapar do perigo. Depois que essa sensação passa, o corpo libera dopamina, o neurotransmissor do prazer e alívio, proporcionando uma sensação de bem-estar.
Uma pesquisa publicada na APA PsycArticles mostra que esse tipo de medo controlado pode até reduzir a atividade cerebral relacionada à ansiedade, ajudando as pessoas a se sentirem mais calmas.
Laços são criados em situações de perigo
Em situações reais de extremo perigo, a tendência dos indivíduos que passaram por essas experiências juntos é criar e fortaleçam vínculos. Como acontece com uma equipe de bombeiros após apagar um incêndio ou em situações de desastres naturais, como vimos recentemente nas enchentes do Rio Grande do Sul.
O compartilhamento de vivências estressantes ativa um sistema que a psicologia chama de “cuidar e fazer amizade”, regulado pela oxitocina, o “hormônio do amor”, como explica Kollat. Essa resposta é provável de ocorrer quando estamos próximas de pessoas com quem temos relações positivas.
Uma ameaça percebida leva os humanos a cuidar da prole e criar laços socioemocionais para proteção e conforto.
Trecho do artigo de Sarah Kollat
Atividades de entretenimento que envolvem medo proporcionam oportunidades para fortalecer laços de uma forma muito semelhante. Ao enfrentar sustos com amigos, as pessoas criam conexões sociais saudáveis.
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Se um apocalipse zumbi acontecer, você já sabe o que fazer
Se você assistiu a The Walking Dead ou Guerra Mundial Z, com certeza já deve ter imaginado o que faria se um apocalipse zumbi acontecesse de verdade. Foi exatamente isso que ocorreu quando o mundo parou durante a pandemia da Covid-19. Durante os primeiros dias de isolamento, filmes como Contágio e Surto se tornaram populares porque as pessoas queriam saber como lidar com aquela situação.
Ao assistir a cenários de estresse nas telas, elas aprendem sobre suas ansiedades e se preparam emocionalmente para ameaças futuras. Uma pesquisa do Laboratório de Medo Recreativo da Universidade de Aarhus revelou que fãs de terror apresentaram maior resiliência psicológica durante a pandemia em comparação com aqueles que não consumiam esse tipo de mídia.
Essa resiliência é atribuída ao treinamento emocional que esses indivíduos praticaram ao enfrentar medos e ansiedades por meio de entretenimento, tornando-os mais aptos a lidar com situações de estresse real.
Escolher o lado sombrio é bom para a sua saúde
Enfrentar experiências de medo não reais, como assistir a filmes de terror, realmente pode fazer diferença na sobrevivência e adaptação em um mundo real e assustador. Essas experiências provocam emoções poderosas, fortalecem redes sociais e preparam as pessoas para enfrentar seus medos. Por isso, Sarah Kollat recomenda:
Da próxima vez que você tiver que escolher entre uma comédia animada e um suspense assustador para sua noite de filme, escolha o lado sombrio – é bom para a sua saúde.
Sarah Kollat
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