Guerra dos Chips esquentou em 2024 – e deve piorar antes de melhorar
As guerras continuam. Tanto as sangrentas quanto as diplomáticas. Entre as que não derramam sangue, está a “Guerra dos Chips” – disputa entre China e Estados Unidos pelo domínio do mercado de semicondutores. O embate não começou em 2024. Mas escalou bastante ao longo deste ano.
Pelo menos, esta é a análise feita pelos especialistas entrevistados pelo Olhar Digital. A reportagem conversou com Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação; e o dr. Álvaro Machado, neurocientista e colunista do site. Eles colocaram os desdobramentos da Guerra dos Chips ao longo de 2024 em perspectiva.
Guerra dos Chips: o que aconteceu em 2024 (e o que esperar para os próximos anos)
Para entender a dimensão dos desdobramentos da Guerra dos Chips em 2024 e o que deve vir por aí, é preciso conhecer a origem deste cabo de guerra. E o que tinha acontecido até então. Por isso, vamos por partes.
Guerra dos Chips até 2024
A “Guerra dos Chips” é o nome dado à crescente disputa geopolítica e tecnológica entre os Estados Unidos e a China pelo domínio da indústria de semicondutores.
Também chamados de “chips”, esses componentes são essenciais para a fabricação de praticamente todos os dispositivos eletrônicos modernos – de smartphones a carros, passando por computadores, sistemas de inteligência artificial e armamentos.
Apesar do nome, a disputa não tem uma data de início precisa, como uma declaração de guerra tradicional. No entanto, dá para apontar 2018 como um marco importante. Na época, o então presidente dos EUA, Donald Trump, impôs as primeiras tarifas sobre produtos chineses.
A medida visava proteger a indústria estadunidense e reduzir o déficit comercial, mas gerou uma série de retaliações por parte de Pequim, iniciando um ciclo de escalada de tensões comerciais.
A pandemia de Covid-19, começada em 2020, agravou a situação. Isso porque expôs a fragilidade das cadeias globais de suprimentos. Também expôs a dependência global da produção de chips concentrada em poucos países. Entre eles, o principal é Taiwan, onde fica a TSMC, maior fabricante de chips do mundo.
A escassez de chips resultante da pandemia impactou diversos setores da economia global. Em paralelo, a China acelerou seus investimentos na produção doméstica de chips para: 1) buscar autossuficiência tecnológica; e 2) desafiar a hegemonia estadunidense no setor.
Os Estados Unidos, por sua vez, passaram a adotar medidas mais agressivas para conter o avanço chinês. Entram aqui: sanções, restrições à exportação e investimentos bilionários na produção doméstica de chips.
O governo estadunidense justifica suas ações alegando preocupações com segurança nacional;
O argumento principal: a China utiliza tecnologias avançadas para fins militares e espionagem.
Até 2024, a Guerra dos Chips já havia se tornado uma das principais frentes de atrito entre as duas superpotências, com impactos significativos nas relações internacionais, no desenvolvimento tecnológico e na economia global. O que já estava ruim estava prestes a piorar.
O que aconteceu em 2024
A Guerra dos Chips passou por uma escalada significativa ao longo de 2024. Como costuma acontecer em guerras (sangrentas ou não), os países envolvidos adotaram medidas cada vez mais agressivas para fortalecer suas posições e conter o avanço do rival.
Dá para dividir os principais desdobramentos da Guerra dos Chips 2024 em duas partes. Confira abaixo:
Novas restrições dos EUA à exportação de chips para a China
Em maio, o presidente Joe Biden anunciou novas tarifas sobre produtos chineses, elevando as taxas de importação para 50% em semicondutores, 100% em carros elétricos e 25% em baterias e seus componentes;
Em dezembro, o governo Biden implementou restrições ainda mais amplas, impedindo que fabricantes de chips avançados, usados em IA, enviassem seus produtos para a China sem permissão do Departamento de Comércio;
140 empresas chinesas foram adicionadas à lista de controle de exportação dos EUA para limitar o acesso do país a tecnologias e equipamentos de fabricação de chips.
Retaliação da China
A China respondeu às restrições estadunidenses com a proibição da exportação de minerais e metais essenciais para a fabricação de chips (relembre clicando aqui);
Quatro grandes associações comerciais chinesas – representando os setores de internet, automóveis, semicondutores e comunicações – recomendaram a seus membros a redução das compras de chips dos EUA, alegando falta de segurança e confiabilidade;
A China abriu uma investigação antitruste contra a Nvidia, fabricante estadunidense de chips, sob alegação de que a empresa tinha descumprido um acordo de 2020 ao não fornecer seus chips de IA mais avançados para empresas chinesas, devido às restrições impostas por Washington.
Assim, dezembro começou tenso na Guerra dos Chips. E o Olhar Digital News abordou o assunto. Relembre abaixo:
Para o especialista em tecnologia e inovação Arthur Igreja, a Guerra dos Chips é uma “nova Guerra Fria”. “Aquela Guerra Fria que tinha a União Soviética e Estados Unidos é agora entre China e Estados Unidos brigando pela soberania econômica e, por consequência, tecnológica.”
Essa disputa por hegemonia tecnológica, segundo Igreja, atrapalha o desenvolvimento global da área, pois reduz o intercâmbio e a colaboração entre pesquisadores. “Quando há menos troca, isso pode até frear a inovação. Você tem essa criação de silos de conhecimento.”
O neurocientista Álvaro Machado também usou a analogia da Guerra Fria para falar sobre a Guerra dos Chips. Mas pensa diferente de Igreja em relação aos impactos do embate no desenvolvimento – no caso, de IA e computação quântica.
O desenvolvimento dessas tecnologias é acelerado, não reduzido, porque assumem uma importância geopolítica gigante. Armas nucleares não surgiram porque os países colaboravam, mas porque se odiavam. Foi a preocupação com armas nucleares na Alemanha que acelerou o Projeto Manhattan e, consequentemente, [o desenvolvimento das] bombas atômicas americanas.
Álvaro Machado, neurocientista e colunista, em entrevista ao Olhar Digital
E o Brasil?
Igreja utiliza a analogia da “guarda compartilhada” para descrever a posição do Brasil na Guerra dos Chips. Isso porque o Brasil é um importante parceiro comercial tanto da China quanto dos EUA, o que coloca o país numa situação delicada. Em suma, o Brasil precisa navegar entre as duas potências sem tomar partido.
Ao mesmo tempo, [o Brasil] fica numa posição legal. É estranho falar isso, mas quanto mais os dois [EUA e China] brigarem, mais abre espaço para o Brasil. O país não é competitivo internacionalmente em muita coisa, mas pode ganhar mercado.
Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação, em entrevista ao Olhar Digital
Álvaro Machado, assim como Arthur Igreja, vê a posição do Brasil na Guerra dos Chips como vantajosa. Ele argumenta que estar no meio da disputa entre EUA e China é positivo, pois permite ao Brasil “ganhar dos dois lados”.
“A geopolítica bem feita é pragmática”, diz o colunista. “Estar no meio da briga entre americanos e chineses é ótimo porque dá para ganhar dos dois lados. É ingenuidade alinhar-se rapidamente com um lado.”
Machado argumenta que tanto EUA quanto China agem de acordo com seus próprios interesses, e não com base em princípios idealistas. Por isso, defende que o Brasil assuma a mesma postura.
Próximos passos (possíveis)
Em relação aos próximos desdobramentos da Guerra dos Chips, Igreja se mostra pessimista. Ele vislumbra um futuro no qual: 1) a disputa se intensifica; 2) as tensões entre os países aumentam; e 3) a polarização entre EUA e China se estende para outras áreas.
O especialista em tecnologia e inovação aponta também que o segundo mandato de Trump intensificará a Guerra dos Chips. Para Igreja, a vitória expressiva de Trump, tanto no colégio eleitoral quanto no voto popular, confere ao futuro presidente dos EUA um forte endosso para implementar sua agenda protecionista. Agenda esta cujo confronto com a China é um dos pilares.
“Não tem nada que aponte na direção contrária”, diz Igreja. “Não tem nada nesse momento que mostre que vai ter uma sinergia futura, que isso [a disputa] vai se acomodar. A tendência é a coisa ficar mais conflituosa.”
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