Furacões, enchentes e secas: o clima extremo de 2024
A Terra havia registrado o ano mais quente de sua história em 2023, mas o recorde será superado novamente em 2024. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) apontou uma probabilidade superior a 99% de que este ano ultrapasse o recorde do ano passado, com quase todos os continentes (com exceção da Ásia) tendo o ano mais quente já visto oficialmente.
O aquecimento superou previsões anteriores, revelando uma realidade preocupante: a elevação das temperaturas não foi um efeito temporário do El Niño. Na verdade, elas sugerem uma aceleração contínua no aquecimento global e nas mudanças climáticas – que não deve parar por aí.
Para piorar, o limite de 1,5ºC a níveis pré-industriais já foi superado e pesquisadores temem não ser possível voltar atrás. As consequências envolvem o agravamento da frequência e da intensidade dos fenômenos climáticos extremos (ou tragédias climáticas, como se popularizou chamá-las este ano).
Eventos climáticos extremos se intensificaram em 2024
Vamos relembrar alguns dos acontecimentos de 2024.
Ondas de calor
Períodos com temperaturas acima da média foram comuns no Brasil desde o início do ano. Isso não aconteceu apenas por aqui: as ondas de calor também foram históricas nos Estados Unidos, Europa e Ásia (leia mais aqui).
Furacões
A ocorrência desses fenômenos no Oceano Atlântico é comum, mas se intensificou em 2024. A NOAA indicou que a temporada deste ano tinha grandes chances de ser “acima do normal”. Grandes exemplos foram os furacões Milton, Helene e Berry, que atingiram nível 5 na escala de intensidade. O Milton, inclusive, chegou nessa categoria em poucas horas.
Chuvas no deserto
O Saara é o deserto mais quente do mundo. Ainda assim, um ciclone extratropical fez com que chovesse na região o equivalente a mais de um ano em apenas alguns dias, formando lagos onde, antes, era apenas solo seco.
Enchentes
Em abril, chuvas acima do previsto elevaram o nível do Rio Guaíba para um recorde histórico, causando enchentes drásticas no Rio Grande do Sul. Em novembro, a cidade de Valência, na Espanha, também registrou precipitação recorde, causando enchentes sem precedentes.
Imagens de satélite registraram lagos no Saara (Imagem: Michala Garrison/NASA Earth Observatory)
Deslizamentos de terra
Em consequência das chuvas recorde, os deslizamentos também se tornaram mais frequentes, com 679 eventos e 4.460 mortes.
Desertificação
A Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que metade das terras de pastagem natural do mundo já estão degradadas e sofrem com algum tipo de desertificação. No Brasil, isso acontece na Caatinga e no agreste, podendo comprometer a biodiversidade local.
Secas
Secas prolongadas estão afetando o mundo inteiro, desde o Brasil até os Estados Unidos e África Subsaariana. Por aqui, a pior seca já registrada enfrentam diversos estados durante mais de 40 anos.
Uma das principais afetadas é a Amazônia, que, em novembro, atingiu o quinto mês seguido de seca severa.
Colapso de correntes marítimas
Cientistas vêm alertando sobre o colapso da principal corrente do Oceano Atlântico, processo que se intensificou e pode ter atingido um ponto de “não retorno” este ano. Os efeitos serão sentidos na temperatura global e podem afetar até a Amazônia.
Por que isso está acontecendo?
A resposta direta é: mudanças climáticas. No entanto, vale lembrar que muitos dos fenômenos que presenciamos este ano são naturais. O problema é simples: eles estão se tornando mais frequentes e intensos.
Foi o que pontuou o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e copresidente do Painel Científico para a Amazônia. As enchentes no Rio Grande do Sul e os furacões na América do Norte, por exemplo, são fenômenos que sempre existiram, mas ganharam novas proporções com o aquecimento global.
[As enchentes no] Rio Grande do Sul são fenômenos meteorológicos que sempre existiram, mas o aquecimento global criou um sistema de alta pressão na atmosfera, que ficou estacionado no Centro-Oeste e bloqueou a passagem de grandes frentes frias em maio. Isso é um fenômeno que existe ha milhões de anos. Mas agora, com o aquecimento global, com os oceanos muito mais quentes e mais evaporação de água, eles estão batendo recordes. Esses são os principais impactos das mudanças climáticas. Os furacões também sempre existiram no Atlântico Norte e Tropical, chegando no Golfo do México e no sul dos Estados Unidos. Agora, com as águas mais quentes, eles estão se tornaram mais extremos.
Carlos Nobre
O futuro não parece tão positivo. Estudos já apontaram recorde de enchentes e secas no Brasil, além de mais temporadas de furacões extremos.
O que podemos fazer para diminuir os efeitos das mudanças climáticas?
Como reportamos no Olhar Digital, as mudanças climáticas já estão em curso. Agora, as iniciativas são voltadas para diminuir seus efeitos e freá-las, na medida do possível (alguns pesquisadores acreditam que isso sequer seja possível).
Para Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), são dois caminhos a serem seguidos. O primeiro é na raiz do problema e envolve a redução das emissões de gases efeitos estufa, acabar com a exploração de petróleo e com o desmatamento de florestas tropicais, como a Amazônia. Segundo Artaxo, “sem isso, mais eventos, mais extremos e mais intensos, vão ocorrer no futuro”.
O segundo caminho é se adaptar ao novo clima. Para ele, é necessário adaptar as cidades e as zonas rurais para a incidência de eventos climáticos extremos, algo que tem relação direta com a emissão dos gases.
Nesse sentido, o Brasil já está fazendo seu dever de casa. Uma das mudanças mencionadas pelo professor é a redução significativa de queimadas na Amazônia de 2023 para 2024, algo que precisar continuar em 2025. A queda do desmatamento também precisa acontecer. No entanto, ele faz um alerta:
O Brasil pode fazer muito mais que isso. Basicamente, acelerando a transição energética para o uso de energias limpas, como energia eólica e solar, que também são oportunidades muito boas para o país se tornar um líder mundial em energias renováveis.
Paulo Artaxo
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Como as mudanças climáticas têm intensificado tempestades?
Já para Nobre, não há mais como reduzir os efeitos climáticos extremos rapidamente. Isso porque o principal gás do efeito estufa, o carbono, fica mais de um século na atmosfera. Ou seja, se reduzirmos as emissões agora, ainda demora anos para estarmos livres de carbono. Ele também menciona o metano, que fica menos tempo na atmosfera, entre nove a 12 anos. No entanto, o gás é proveniente principalmente da agricultura (além do vazamento de gás natural e decomposição de lixo), algo que dificilmente vai parar.
O climatologista afirmou que “tudo isso vai acontecer, não tem mais jeito”. O caminho, agora, é analisar esses efeitos para entender próximas ações, como acelerar ainda mais a redução de emissões.
O clima em 2025
Artaxo acredita que os eventos climáticos extremos de 2025 sejam difíceis de serem previstos. Isso porque eles voltarão a acontecer, como foi nesse ano, mas com frequência e intensidade maior. No entanto, não há data nem local premeditado, o que dificulta ainda mais as ações preventivas.
Pensando nisso, o professor afirma que o Brasil precisa montar uma agenda climática antecipando esses eventos, como, por exemplo, a criação de sistemas de defesa civil em cidades médias e grandes, e atendimento à população da Amazônia nas ocasiões de grandes secas ou enchentes. Ou seja, nos adaptarmos para enfrentar o que vem a seguir.
Para Nobre, um dos eventos que está no “radar” de 2025 é o La Niña, que deve acontecer a qualquer momento. Segundo ele, isso pode aumentar as chuvas e diminuir a seca histórica na Amazônia. No entanto, do lado contrário, não deve resfriar tanto as temperaturas.
Outro problema antecipado para 2025 são os incêndios florestais. Isso porque, ao redor do mundo, esses eventos são causados por descargas elétricas, o que deve aumentar com o aumento das precipitações provocadas pelo La Niña e, consequentemente, o aumento de nuvens no céu. No entanto, ele lembra que no Brasil o problema é outro: por aqui, a grande maioria dos incêndios são causados por ação humana.
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