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Crítica – Gladiador II tem ação épica mas drama político que não se sustenta

Apesar de ter seus momentos, sequência do filme de 2000 não consegue sustentar trama política e as relações de poder que tanto venera

Em certo momento da batalha inicial de Gladiador (2000), Russell Crowe (Uma Mente Brilhante) diz que aquilo que fazemos em vida ecoa na eternidade. Para alguém que está no olho do furacão das transformações políticas da Roma Antiga, Maximus compreende que as ações daqueles que integram essa civilização tão desenvolvida para a época vão deixar um legado importante no futuro da humanidade, custe o que custar.

É a partir desse senso de dever e honra para construir um mundo mais justo que, mais de 20 anos depois da estreia do primeiro filme, Ridley Scott (Alien, o 8.º Passageiro) retorna às salas de cinema com Gladiador II. Trazendo um elenco popular, o diretor se juntou ao roteirista David Scarpa (Napoleão) novamente para apresentar o universo dos gladiadores romanos ao público de hoje, falando sobre poder, ambição e a ciclicidade da história com “H” maiúsculo. Porém, mesmo que as sequências de ação grandiosas sejam mais sangrentas e explosivas que as do antecessor, as atuações desmotivadas de boa parte do elenco, a falta de desenvolvimento das relações entre os personagens e o drama político morno não empolgam muito.

Ficha técnica
Título: Gladiador II

 

Direção: Ridley Scott

 

Roteiro: David Scarpa

 

Data de lançamento: 14 de novembro de 2024

 

País de origem: Estados Unidos da América e Reino Unido

 

Duração: 2h 28min

 

Sinopse: A saga épica de poder, intriga e vingança ambientada na Roma Antiga. Anos depois de testemunhar a morte do venerado herói Maximus, Lucius é forçado a entrar no Coliseu depois que seu lar é conquistado pelos imperadores tirânicos que agora comandam Roma com mão de ferro. Com a raiva em seu coração e o futuro do Império em jogo, Lucius deve olhar para o seu passado para encontrar força e honra para devolver a glória ao povo romano.
Pôster de Gladiador II.
Força e honra
Entre mitos épicos e expansões territoriais avassaladoras, não é de se estranhar como Roma conseguiu se tornar um dos maiores impérios do mundo antigo, com seu legado ecoando em cada aspecto social, político, cultural e muito mais até os dias de hoje. Muito disso foi construído em cima do suor, sangue e lágrimas de guerreiros e pessoas comuns que, em meio ao caos de uma civilização que ainda tentava compreender sua própria grandeza com disputas políticas e guerras lendárias, abriram caminho para uma história de glória, dever e honra.

Para Lucius (Paul Mescal), ou Hanno, como ele prefere ser chamado em boa parte da trama de Gladiador II, é essa noção de dever e honra que Roma precisa recuperar. Com o Império nas mãos de governantes instáveis e sádicos, Lucius tenta encontrar seu lugar em um mundo antigo fragilizado, anos após presenciar a morte de Maximus, talvez o último grande herói romano antes do início uma crise política sangrenta e horripilante, pelas mãos do tio Cômodo (Joaquin Phoenix) nas arenas dos gladiadores.

Mostrando como a história está fadada a se repetir, Lucius se vê no meio do Coliseu com sede de vingança após um trágico acontecimento familiar. Assim, determinado a fazer justiça com as próprias mãos, o jovem veste a armadura clássica dos gladiadores para tentar devolver a glória aos romanos e recuperar a força e a honra que Maximus tanto lutou para restaurar em vida.

Gladiador II acompanha a trajetória de Lucius (Paul Mescal), um gladiador em busca de vingança.

Apostando em sequências de ação de tirar o fôlego, Gladiador II é de, certa maneira, uma sombra de seu antecessor. Embora seja ainda mais sangrento que o premiado filme de 2000, a sequência tem uma trama que emula a do primeiro longa, percorrendo um caminho bem semelhante ao da produção vencedora de cinco estatuetas do Oscar.

A diferença é que, dessa vez, tudo parece mais preguiçoso e pouco inspirado. Se o primeiro Gladiador aposta em uma dinâmica novelesca e ágil para contar a história de vingança do guerreiro Maximus, Gladiador II não parece muito preocupado em sair de sua zona de conforto. Com um Ridley Scott não muito inventivo e um roteiro que pouco se importa em se aprofundar nos temas e relações que apresenta, a aguardada sequência não consegue se sobressair muito para além dos intensos momentos de luta no Coliseu.

Assim como em Napoleão (2023), o roteiro de Scarpa é picotado o bastante para que quase nada seja devidamente explorado com paciência, fazendo com que a carga emocional que o drama político e familiar da trama exigem perca sua intensidade. Embora a história funcione muito bem “sozinha”, mesmo que as conexões com o primeiro Gladiador estejam ali, o filme tem dificuldade para encontrar um ritmo tão intrigante quanto o longa de 2000 justamente por não conseguir nutrir seu peso histórico.

E isso já fica evidente com o protagonista, Lucius. Em uma tentativa em recriar o magnetismo de Russell Crowe como Maximus, Lucius foi parar nas mãos de Paul Mescal, queridinho do cinema independente que, apesar de já ter recebido uma merecida indicação ao Oscar por seu excelente trabalho em Aftersun (2022), infelizmente não convence no novo filme de Ridley Scott.

Mesmo com ação épica, o conjunto da obra não empolga o bastante.

Mescal já mostrou que é mais do que capaz de segurar um protagonismo – Aftersun é a prova mais recente, e seu trabalho de estreia na televisão com a minissérie Pessoas Normais também é mais um indicativo de que ele tem a força e a determinação para ser um grande nome de Hollywood. Com Lucius, porém, não foi o caso: embora o astro sustente as cenas intensas de ação, a pose de rebelde e jovem sonhador que luta para recuperar a glória romana do personagem falha em criar uma conexão com o espectador graças ao apático desenvolvimento da trama.

Assim como acontece com Timothée Chalamet em Duna: Parte 2 (2024), Paul Mescal não consegue transmitir a aura heroica do protagonista para que o público “compre” a missão de Lucius na narrativa, principalmente se levarmos em consideração como todo o respaldo político que impulsiona a trama é tão superficialmente desenvolvido que é difícil manter qualquer tipo de reação aos momentos decisivos.

Nem mesmo Pedro Pascal consegue sair dessa apatia com seu general Acacius, já que ele faz uma performance tão automática que, assim como Mescal, não consegue criar um laço emocional forte o bastante com o público. Não que o problema seja inteiramente Pascal, até porque ele é um ator versátil e competente, mas a condução de Scott e o frágil roteiro de Scarpa também não ajudaram muito nesse quesito. O resultado dessa junção, infelizmente, faz com que o filme não consiga alcançar o potencial que poderia ter.
Panem et circenses
Gladiador II tem sua leva de inconstâncias (e isso não diz respeito a qualquer “incoerência” com os fatos históricos reais e, sim, com a condução simplória da trama) e até poderia ser apenas mais uma sequência da onda de nostalgia que vem acometendo Hollywood nos últimos anos, se não fosse alguns elementos que engrandecem o universo dos gladiadores e intensificam o caos de um governo tirânico.

De longe, Denzel Washington (Dia de Treinamento) é a melhor coisa de Gladiador II. Isso nem é surpreendente, basta nos lembrarmos de que Washington é uma força da natureza em Hollywood e traz vivacidade a cada projeto que participa, como fez no impressionante A Tragédia de Macbeth (2021), por exemplo. Logo, com a sequência de Gladiador, não foi diferente.

Com performance cativante, Denzel Washington é a melhor coisa de Gladiador II.

Mesmo que o roteiro não tenha muito a oferecer a seu personagem, o ardiloso e carismático Macrinus, Washington consegue criar, com apenas olhares, risadas e gestos, uma figura intrigante e enigmática que não deixa transparecer muito quais são suas motivações até que o clímax nos golpeie com sua verdadeira face. Magnético e charmoso, Washington vem nos resgatar todas as vezes em que Gladiador II parece perder o entusiasmo fora do caos do Coliseu.

Para ajudá-lo nessa tarefa, os figurinistas Janty Yates, parceira de longa data de Scott que venceu um Oscar pelo primeiro Gladiador, e Dave Crossman (Batman, Napoleão) fizeram um trabalho primoroso para reconstruir o tempo e o espaço da Roma Antiga através das vestimentas usadas pelos personagens, sejam nas armaduras dos gladiadores, nos vestidos deslumbrantes usados por Connie Nielsen (Mulher-Maravilha) ou nos trajes imponentes de Washington.

O cuidadoso trabalho de Yates e Crossman para trazer mais vivacidade ao universo dos gladiadores conquista até mesmo pelos detalhes nas armaduras usadas por Mescal ou Pascal, colocando a Roma Antiga diante dos nossos olhos com toda a sua grandiosidade e magnitude quando os guerreiros entram no caos da arena para entreter o povo romano.

Figurino de Gladiador II tem brilho próprio por atenção aos detalhes para ajudar a reconstruir atmosfera da Roma Antiga.

Entretenimento esse que consegue recriar também toda a atmosfera populista da política do panem et circenses, o famoso “pão e circo” usado pelo governo da época na tentativa de distrair a população para manipulá-la e evitar possíveis revoltas contra a tirania do Império. Como bem questionou Maximus na arena em Gladiador, o “vocês estão entretidos?” aparece na trama para expor toda a violência do Coliseu, enquanto o público vibra a cada morte, a cada encontro de espadas e a cada flechada no peito de alguém.

Ao contrário de Napoleão, Ridley Scott, dessa vez, não teve medo de sujar as mãos de sangue, colocando Paul Mescal para arrancar pedaços de animais com a boca e transformando o azul da água em um vermelho vivo e dramático. Não que o primeiro Gladiador seja comedido em sua violenta ação, mas o segundo filme tem uma essência mais ousada que, mesmo em meio aos problemas da narrativa apressada e pouco desenvolvida, consegue conquistar seus méritos.

Em meio a tudo isso, Gladiador II reconta a velha história de glória e honra de seu primeiro filme com a mesma atmosfera épica que marcou a história do cinema nos anos 2000. O longa não deixa de reconhecer o que veio antes e usa isso para se conectar com os fãs do original, mas também sabe como caminhar com as próprias pernas, causando impacto quando está dentro do Coliseu ou quando Denzel Washington cavalga em um mar de soldados de um jeito tão imponente que é impossível desviar o olhar.

No entanto, apesar de ter seus momentos, a sensação que fica no final dessa jornada é que faltou um tempero a mais. Com atuações pouco inspiradas de Mescal e Pascal, além da nítida dificuldade da trama em aprofundar seus temas para que o espectador crie um laço afetivo com aquilo que está sendo contado, Gladiador II pode até empolgar com a ação épica dos gladiadores, mas a trama política e as relações de poder entre seus personagens apenas fingem uma importância e uma grandiosidade que o filme não consegue sustentar.

Nota: 3/5.

Gladiador II está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Fonte: Crítica – Gladiador II tem ação épica mas drama político que não se sustenta“>Legião dos Heróis.

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