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Cadáveres estelares: como as anãs brancas foram desvendadas por Chandrasekhar

Desde os primórdios da nossa história, a humanidade olha para o céu noturno, maravilhando-se com a beleza e buscando compreender a natureza do Cosmos à sua volta. Acreditávamos que o Universo era estático, infinito e eterno. Mas séculos de observações astronômicas e desenvolvimento científico nos fizeram compreender que na verdade somos breves demais para perceber que o Universo é dinâmico, em constante transformação. Graças a algumas das maiores mentes da astrofísica e seus estudos geniais, aprendemos que, ao longo de bilhões de anos, as estrelas nascem, evoluem e morrem. Hoje podemos inclusive prever como será o “pós-vida” de estrelas como o Sol, que se converterá em um bizarro objeto, quente e extremamente denso, conhecido como anã branca. 

[ Sírius B, um tênue pontinho de luz ao lado da brilhante Sírius A – Créditos: NASA / HST ]

Imagine comprimir toda a massa do Sol, uma estrela um milhão de vezes maior que Terra, até que ele fique do tamanho do nosso planeta? Por mais estranho que pareça, é exatamente isso que ocorre com as anãs brancas. Esses cadáveres estelares, extremamente densos e compactos, são o destino final de estrelas como o nosso Sol, e tiveram sua natureza exótica desvendada por um jovem físico indiano, chamado Chandrasekhar.

Estrelas de massa baixa a intermediária, como o nosso Sol passam a maior parte de suas vidas brilhando na chamada “sequência principal”, a fase mais estável de uma estrela, quando sua enorme gravidade provoca a fusão dos átomos de hidrogênio em seu núcleo, gerando átomos de hélio e energia. A sequência principal é caracterizada pelo equilíbrio entre a força de compressão pela gravidade da estrela e a força de expansão gerada pela fusão atômica que ocorre em seu núcleo. 

Só que quando o hidrogênio, principal combustível da estrela, se esgota, este equilíbrio fica comprometido. Ela então se expande dramaticamente, se tornando uma gigante vermelha, e passa a fundir hélio em seu núcleo, gerando carbono e oxigênio. Quando o hélio acaba e a estrela não tem energia suficiente para fundir o carbono, a fusão nuclear se encerra e a estrela colapsa sobre si mesma. 

A rápida compressão gera uma explosão que expulsa as camadas externas para o espaço, deixando para trás apenas o núcleo estelar, comprimido pela gravidade até se tornar uma anã branca, um objeto do tamanho da Terra, mas com uma massa comparável à do Sol! Uma compressão tão intensa que uma colher de chá de matéria de uma anã branca pesaria toneladas aqui na Terra. Foi justamente essa incrível densidade e a natureza desses estranhos objetos que intrigaram o jovem Subrahmanyan Chandrasekhar, levando-o a realizar uma das descobertas mais importantes da astrofísica moderna. 

[ Subramanyan Chandrasekhar em 1936 – Créditos: University of Chicago Photographic Archive ]

Após obter seu bacharelado em Física em 1930, quando tinha apenas 19 anos, Chandrasekhar recebeu uma bolsa do Governo Indiano, para uma pós-graduação em Cambridge. E ao invés de passar o tempo se distraindo nas redes sociais ou maratonando suas séries favoritas, Chandrasekhar aproveitou a longa viagem de navio da Índia para a Inglaterra para desenvolver seu mais notável trabalho, que lhe renderia o Prêmio Nobel de Física, décadas depois. 

O jovem físico já vinha estudando os gases degenerados, que é o estado da matéria onde os gases, submetidos a uma pressão extraordinariamente alta, passam a se comportar como um sólido. E naquela viagem, Chandrasekhar considerou os efeitos quânticos sobre a matéria degenerada e calculou que existe um limite para a massa de uma anã branca, que a natureza não permite ultrapassar. Esse limite, que ficou conhecido como Limite de Chandrasekhar, é de 1,44 vezes a massa do Sol.

Mas o que acontece se uma anã branca ganhar massa além desse limite? 

[ Nebulosa planetária NGC 3132. No centro, pode-se ver uma anã branca – Créditos: Hubble Heritage Team ]

As anãs brancas têm uma natureza muito estranha. Diferente da nossa barriga e de tudo que conhecemos, quando adicionamos massa a uma anã branca, ela não cresce, e sim, diminui. Isso porque, quanto maior a massa, maior a gravidade e a pressão de compressão da matéria, fazendo com que ela fique ainda mais densa. A única força que impede o colapso total da anã branca é a pressão de degeneração eletrônica, um efeito quântico que mantém os elétrons em equilíbrio contra a gravidade. Isso só é possível enquanto sua massa não ultrapassa o Limite de Chandrasekhar. Quando isso ocorre, a gravidade, implacável, vence a pressão de degeneração eletrônica que sustenta a anã branca, causando seu colapso. Esse colapso pode levar à formação de uma estrela de nêutrons ou de um buraco negro, objetos ainda mais densos e estranhos que as anãs brancas.

A princípio, a ideia de Chandrasekhar foi recebida com ceticismo pela comunidade científica, incluindo o próprio Arthur Eddington, um dos maiores astrônomos da época. Aquela descoberta poderia ter revolucionado a astrofísica desde os anos 30. Mas o trabalho concebido de forma genial, no tempo livre de uma viagem, precisou de décadas para vencer o conservadorismo dos cientistas mais experientes. O tempo provou que Chandrasekhar estava certo e em 1983, ele foi laureado com o Prêmio Nobel de Física por sua descoberta, um reconhecimento merecido por sua contribuição fundamental para a astrofísica.

O Limite de Chandrasekhar tem implicações importantes para a nossa compreensão do Universo. Ele explica, por exemplo, as explosões de supernovas do tipo Ia, que ocorrem quando uma anã branca em um sistema binário “rouba” matéria de sua estrela companheira e ultrapassa o limite de Chandrasekhar, causando uma explosão colossal. Graças à sua descoberta, essas supernovas puderam ser utilizadas pelos astrônomos para medir distâncias cósmicas e estudar a expansão acelerada do universo.

[ Como se forma uma supernova do tipo Ia – Créditos: NASA / ESA / A. Field ]

As anãs brancas, com sua densidade extrema e sua estranha beleza, nos mostram a incrível diversidade de objetos que habitam o Cosmos. O Limite de Chandrasekhar, um conceito que surgiu da mente brilhante de um jovem físico, nos revela como os fenômenos ocorridos em escala subatômica determinam o destino de objetos colossais, moldando a evolução das estrelas e do próprio Universo. Descobertas como essas nos ajudam a enxergar além de nossa curta existência, e nos colocam diante dos fascínios de um Cosmos dinâmico, efêmero e finito, demonstrando também que não existem limites para a genialidade humana.

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