Apple e o preço da exclusividade: até onde isso faz sentido?
Se você abriu este texto, muito provavelmente já comprou um produto da Apple e passou por duas sensações opostas: a empolgação de ter em mãos um dos dispositivos mais desejados do mundo e o susto ao ver o seu preço na nota fiscal.
A Maçã, como sabemos, não vende apenas tecnologia; ela vende um estilo de vida, um símbolo de status e uma experiência diferenciada. Mas, com os preços cada vez mais altos, será que essa experiência ainda vale o que custa?
O iPhone 16 Pro Max, por exemplo, custa mais do que muitos notebooks de ponta — aqui no Brasil, partindo de R$12,5 mil. O Apple Vision Pro, então, nem se fala; indisponível no Brasil, lá fora o valor é tão absurdo que muita gente nem cogita comprá-lo.
Para os fãs da marca, o investimento nos produtos pode até fazer sentido. Porém, para o consumidor comum, será que a companhia ainda é uma escolha lógica? Ou a empresa está se tornando um clube exclusivo para poucos? Ou, pior: será que ela sempre foi?
Tecnologia ou status?
A Apple sempre teve um apelo forte para quem gosta de exclusividade. Desde o primeiro iPhone, em 2007, a empresa conseguiu transformar tecnologia em desejo. Como esquecer, também, dos Apple Watches feitos em ouro?
Em 1899, o economista Thorstein Veblen já falava sobre o consumo conspícuo, aquela ideia de que algumas marcas não vendem só produtos, mas também status. Quem compra um iPhone não adquire um celular, mas um símbolo de prestígio.
Antes, a companhia tinha um diferencial tão marcante que justificava essa percepção. Mas e agora?
Marcas como Samsung e Google conseguem lançar smartphones com ótimas câmeras, desempenho excelente e inovação de sobra por preços mais acessíveis. Apesar dos preços elevados, a Apple mantém uma base fiel de consumidores graças ao seu ecossistema integrado.
Quem já tem um dispositivo dificilmente migra para outra marca, pois perderia funções como AirDrop, Continuidade de Câmera e sincronização perfeita entre dispositivos. Esse lock-in tecnológico (o famoso “jardim murado” da Apple) justifica, para muitos, o investimento inicial alto.
A Maçã ainda se destaca pela qualidade do design e integração entre seus dispositivos, mas será que essa conveniência justifica pagar tanto a mais?
Os preços da Apple e o impacto no mercado
Não é só o consumidor da Apple que sente o peso do preço, contudo. Quando a empresa define um valor alto para os seus produtos, ela acaba influenciando o mercado inteiro.
O sociólogo Manuel Castells fala sobre como a conectividade digital é essencial para o desenvolvimento econômico e social. Se a tecnologia está cada vez mais cara, menos pessoas têm acesso a ela. Isso pode ampliar desigualdades, criando um abismo entre quem pode pagar pelo “padrão ouro” da Apple e quem não pode.
Desde sempre, a Apple tenta atrair estudantes e jovens profissionais com modelos um pouco mais baratos, como os finados iPhones 5c e SE, bem como com os MacBooks de entrada.
Hoje, até produtos dessa categoria ficaram inacessíveis para muita gente — como o iPhone 16e. E se a empresa continuar subindo os preços, será que não vai acabar se desconectando de uma parte importante do seu público?
Concorrência forte e o fim do monopólio do desejo
Por muito tempo, a Apple dominou o imaginário dos consumidores quando o assunto era tecnologia premium. Ter um iPhone ou MacBook significava estar à frente, em um patamar de excelência que a concorrência não conseguia alcançar.
Isso mudou, no entanto. Empresas como a Samsung, o Google, a Xiaomi e até marcas menos tradicionais, como a Nothing e a OnePlus, estão oferecendo produtos igualmente inovadores e, em alguns casos, até mais ousados — afinal, quem não está na frente, como a Apple, pode — e deve — “arriscar” mais.
O verdadeiro desafio para a empresa de Tim Cook não é apenas a concorrência técnica, mas o fato de que outras marcas estão criando desejo — algo que antes só a Maçã se destacava fazendo.
A Samsung, por exemplo, aposta em celulares dobráveis, um formato “futurista” que a Apple ainda nem sequer explorou (ao menos não publicamente). O Google, com os aparelhos da linha Pixel, investe na inteligência artificial para tornar a experiência do usuário mais intuitiva e eficiente. A Xiaomi e a OnePlus desafiam o mercado com preços agressivos e recursos que muitas vezes chegam antes do que nos aparelhos da Apple — como carregamento ultrarrápido e câmeras de altíssima resolução.
O que isso significa? Que aquela velha ideia de que “só a Apple entrega inovação” já não convence tanta gente há um bom tempo. Claro, a empresa ainda tem seus diferenciais, como o ecossistema integrado e a longevidade dos dispositivos. Contudo, ela inegavelmente está atrás na corrida da inteligência artificial.
Além disso, a empresa dilui o custo de seus produtos com serviços como Apple Music, Apple TV+ e iCloud+, que aumentam a retenção de usuários. Programas de trade-in e parcelamento tornam seus dispositivos mais acessíveis.
Mas será que essas vantagens ainda justificam a diferença de preço? Para muita gente, a resposta vem mudando com o tempo. Além disso, os consumidores estão cada vez mais atentos. Não basta mais ter um logo famoso no aparelho. Hoje, as pessoas pesquisam, comparam fichas técnicas, avaliam custo-benefício.
E, a partir do momento em que a concorrência não apenas entrega qualidade, mas também gera desejo, a Apple precisa se perguntar: até quando a lealdade dos clientes deve ser incondicional?
O efeito psicológico de pagar (muito) caro
A Apple sabe vender bem. E ela usa estratégias inteligentes para justificar seus preços. Um dos truques mais conhecidos é o efeito ancoragem, um conceito da economia comportamental estudado por Daniel Kahneman.
Funciona assim: quando a Apple lança um produto absurdamente caro, os modelos “mais baratos” parecem um ótimo negócio — mesmo que ainda sejam caros comparados à concorrência. Além disso, a marca criou um ciclo de desejo e escassez. Seus produtos são vistos como investimento, não como simples eletrônicos.
Uma coisa é inegável: enquanto muitos Androids deixam de receber atualizações após 2-3 anos, a Apple oferece suporte prolongado. Para o consumidor, isso significa maior vida útil e menor custo anualizado, compensando parcialmente o preço inicial.
Os MacBooks duram anos sem perder desempenho, os iPhones têm alto valor de revenda e, a cada novo lançamento, a empresa reforça a ideia de que seus dispositivos não são descartáveis, mas sim um “bom negócio” para quem pode pagar.
O problema? Isso só faz sentido para quem já está dentro do ecossistema. Para quem ainda não entrou, o custo de entrada está ficando cada vez mais proibitivo.
Até onde isso faz sentido, afinal?
Para alguns, a experiência da Apple ainda vale cada centavo. A integração perfeita entre dispositivos, o suporte a longo prazo e o valor de revenda fazem com que o investimento pareça justificado. Para outros, a lógica é diferente: a concorrência oferece alternativas de alta qualidade por um custo bem menor.
A Maçã sempre teve uma proposta premium, mas há uma linha tênue entre ser um produto aspiracional ou elitista demais. Quando até mesmo os consumidores fiéis começam a hesitar antes de comprar um dispositivo novo, é um sinal de que algo está mudando.
Talvez a companhia esteja confiante de que a sua base de fãs permanecerá fiel, independentemente do preço. Mas a história do mercado mostra que nenhuma marca é intocável — vide Nokia, BlackBerry, Kodak, Yahoo, IBM, MySpace, HTC, Motorola e outras.
A Apple caminha num fio da navalha: seu sucesso depende de equilibrar exclusividade e acessibilidade. Enquanto o ecossistema e a fidelização garantem vendas no curto prazo, a empresa precisa evitar que seus preços a tornem irrelevante para novas gerações.
Se a concorrência fechar o gap tecnológico sem exigir um “prêmio” tão alto, até a Apple (hoje a empresa mais valiosa do mundo) poderá enfrentar desafios que vão além do preço — como a perda do monopólio do desejo.
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