A nova guerra dos navegadores será travada no território da IA
Quando os astros se alinham, não tem jeito. Eu já estava escrevendo esta coluna quando, na última terça-feira, Nick Turley, o diretor de produto do ChatGPT, disse que “Sim”, a OpenAI tentaria comprar o Chrome caso o Google fosse obrigado a vendê-lo, “assim como muitas outras empresas tentariam”. Zero surpresa. Quem não tentaria?
A declaração veio durante o depoimento de Turley no processo que vem investigando quais sanções serão tomadas contra o Google, agora que a Justiça americana decidiu que ele agiu ilegalmente para proteger e expandir seu monopólio nos segmentos de busca e de anúncios na web.
Além da venda do Chrome, o DOJ 1 também recomendou à justiça que o Google seja:
- Proibido de fazer acordos comerciais para ser o motor de busca padrão de terceiros;
- Proibido de fazer acordos de exclusividade para embutir suas tecnologias em produtos de terceiros;
- Obrigado a compartilhar dados relativos a buscas e métricas de anúncios com buscadores concorrentes;
- Obrigado a flexibilizar as regras na relação com anunciantes;
- Obrigado a avisar o governo antes de fazer acordos comerciais ou investimentos em terceiros no segmento de IA;
- Obrigado a instaurar sistemas de observação para garantir o cumprimento das regras, sem gambiarras;
- Obrigado a abrir seus resultados de busca, lógica de ordenamento dos resultados e métricas de anúncios por um ano, para dar à concorrência condições de usar esses dados para benefício próprio.
- Obrigado a vender o Android, caso o cenário competitivo não melhore dentro de cinco anos.
É improvável que tudo isso aconteça. Mas também é improvável que nada disso aconteça. E especificamente sobre o Chrome, é curioso que o papo da possível venda esteja acontecendo justamente agora, quando a concorrência no segmento de navegadores está prestes a esquentar como há décadas não acontecia.
O novo campo de batalha
Se existe um segmento que permaneceu relativamente intocado frente aos avanços da tecnologia nos últimos anos, foi o de navegadores — tanto em relação às funcionalidades quanto em relação aos próprios concorrentes do mercado.
É claro que, comparado à era de ouro do Mosaic ou do Netscape Navigator, tecnologias e possibilidades atuais como Progressive Web Apps, WebAssembly ou WebXR soam como um milagre. Mas elas dizem mais sobre os protocolos e tecnologias da web do que sobre os navegadores propriamente ditos.
Do lado deles, empresas como a obstinada Mozilla, a simpática Opera e a nichada Brave passaram anos tentando reinventar a experiência de navegar na web, mas falhando consistentemente na missão de emplacar esses novos paradigmas frente ao grande público 2.
Olhando para as últimas duas décadas, quais grandes mudanças realmente emplacaram e mudaram a forma como o mundo utiliza navegadores?
Funcionalidades como VPNs 3, tradutores embutidos ou sincronia de histórico entre dispositivos são complementos interessantes, porém elas não redefiniram como a sua vovozinha navega na internet.
A partir desse ponto de vista, qual foi a última grande novidade que mudou o paradigma de navegação? Abas? Extensões? A omnibox? Faz tempo, né?
A verdade é que a tarefa de navegar já nasceu como algo bastante descomplicado, e qualquer tentativa de se inserir entre o usuário e a web acabou por provar-se inconveniente ou pouco prático. A Browser Company que o diga.
Aí, vieram os LLMs 4 e, assim como aconteceu com muitos segmentos, abriram uma série de possibilidades interessantes para repensar alguns aspectos da navegação na web.
A própria Browser Company foi a primeira a aplicar uma camada de LLM sobre uma busca tradicional, entregando uma espécie de resumo, em texto corrido, compilado a partir de informações de múltiplos sites, em vez de somente apresentar alguns links para o usuário visitar e tentar dar a sorte de encontrar a resposta sozinho 5.
Aliás, na época, eu escrevi duas vezes sobre como isso poderia representar uma ameaça à web. Isso se mantém. Recentemente, a Bloomberg publicou uma matéria detalhando como funcionalidades assim (incluindo os AI Overviews do Google) vêm causando uma queda significativa em tráfego na web, especialmente para publicações e para negócios independentes.
O artigo, que uniu depoimentos de 25 publicações e dados da Similarweb, concluiu que especialmente sites de categorias como de viagens, de faça-você-mesmo e de culinária registraram quedas de até 70% no tráfego desde que ferramentas como os AI Overviews foram lançadas. Isso não é um delírio, ou tempestade em copo d’água. Quem realmente entende do que fala enxerga essa situação como um risco real, e ela está prestes a se intensificar.
IA no navegador
De um ano para cá, não foi somente a Browser Company que fez experimentos com a integração de IA no navegador.
No final do ano passado, a Perplexity, um dos principais motores de busca (ou de resposta, como ela se classifica) com IA do mercado, anunciou o Comet; um “navegador para buscas agênticas”. Sua proposta será executar múltiplas ações em múltiplas etapas em nome do usuário, em vez de “somente” visitar sites para montar relatórios a respeito do termo pesquisado. Promissor.
Já a Opera demonstrou recentemente o Operator; uma funcionalidade que poderá fazer navegação em múltiplas etapas em nome do usuário, para cumprir tarefas de forma proativa e automática. Segundo a empresa, a funcionalidade não rodará na nuvem ou em uma versão virtualizada do navegador, como no caso do Claude Computer Use ou do OpenAI Operator 6. Ela prometeu que será algo local. A ver.
A Microsoft, por sua vez, implementou recentemente a funcionalidade Copilot Vision no navegador Edge, permitindo que o LLM aplique visão computacional sobre o conteúdo aberto na tela. Isso veio como uma evolução natural da integração do Copilot ao Edge, em que uma barra lateral já permitia interações via texto para resumir o conteúdo em questão, utilizá-lo como ponto de partida para fazer uma pesquisa no Bing, etc.
Até mesmo o Safari já recebeu seu primeiro recurso de IA, com a funcionalidade de resumos. Ela está longe de ser perfeita (e o desempenho em português é bem mais fraco do que os resumos em inglês). Mas está lá e, certamente, não será o único.

O que me traz ao Chrome, e à Google I/O 2025, que acontecerá no final de maio. Frente às movimentações da concorrência, é bastante provável que a companhia anuncie uma série de funcionalidades apoiadas em IA para o navegador — o que, de quebra, provavelmente marcará a primeira vez que milhões de pessoas terão contato de verdade com esse tipo de tecnologia.
E quem não quiser usar, que não use. ¯_(ツ)_/¯
Resumo da ópera
Há tempos, eu venho defendendo que o maior benefício dessas novas IAs só será tangibilizado para a maioria das pessoas, quando elas passarem a entregar uma experiência prática, relevante para aquele determinado contexto e, principalmente, nos ambientes onde o usuário já está — em vez de obrigá-lo a ir para outra plataforma, como um ChatGPT da vida.
Com isso em mente, quando o assunto é IA, poucos ambientes digitais são mais perfeitos, mais presentes e estão mais prontos para acrescentar à vida das pessoas do que os navegadores.
Desde funções passivas, como a de fazer resumos customizados para as preferências e para o repertório do usuário (com base no seu histórico de navegação, por exemplo), até funcionalidades mais ativas, como a de fazer pesquisas e navegações por conta própria para atender a uma necessidade do usuário, passando até mesmo por uma interação multimodal (ou seja, com suporte à entrada e à saída de texto, de imagem, de vídeo e de som) a respeito dos conteúdos abertos, os navegadores atuais já soam atrasados frente a essas novas possibilidades.
Pense, por exemplo, em algo como o poderosíssimo Notebook LM do Google integrado diretamente no navegador (o que no fundo, é o que a Microsoft está tentando fazer no Edge, ainda que de forma acanhada). As possibilidades que isso abre são gigantescas.
Isso também abre questões de privacidade? Sem dúvida. Ainda mais quando o assunto é o Google. E é por isso que a possível ordem de vender o Chrome torna toda essa história ainda mais interessante. Obviamente, quem quer que seja o eventual comprador, também terá a chance de abusar da boa-fé na coleta de dados e na privacidade dos usuários da mesma forma. Essa questão fica para outro artigo.
Mas que é interessante ver a possível venda do Chrome surgir como uma possibilidade justamente às vésperas do maior salto e intensificação de concorrência que o segmento viu nas últimas décadas, isso é. Sorte a nossa.