O que foi a Guerra de Consoles nos anos 1990?
A chamada “Guerra dos Consoles” dos anos 1990 foi um dos períodos mais intensos e definidores da indústria gamer, quando as gigantes Sega e Nintendo disputavam ferozmente a preferência dos consumidores com seus consoles de 16-bits. Esse confronto, que mais tarde incluiria a Sony com o PlayStation, moldou o mercado de videogames como o conhecemos hoje e definiu a cultura pop de toda uma geração.
Tudo começou no final dos anos 1980, quando a Nintendo dominava com folga o mercado com o Nintendo Entertainment System (NES, ou Nintendinho para os brasileiros). Foi nesse cenário de quase monopólio que a Sega decidiu lançar uma ofensiva ousada com o Mega Drive (conhecido como Genesis nos EUA), inaugurando oficialmente a era dos 16 bits e desafiando diretamente o reinado da gigante dos videogames domésticos. A Nintendo não demoraria a responder com o Super Nintendo (SNES), estabelecendo uma rivalidade jamais vista.
Prova disso é que até hoje muitos jogadores lembram da época em que escolher entre Sonic e Mario era praticamente uma declaração de personalidade no intervalo da escola. Isso sem falar nos debates para decidir qual console tinha os melhores gráficos. Esses elementos deram contornos culturais à disputa, dividindo jogadores em “tribos” apaixonadas, cada uma defendendo seu console preferido como se defendesse parte de sua própria identidade.
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Sega vs. Nintendo: história da rivalidade na era dos 16-bits
O Mega Drive chegou ao mercado em 1988 no Japão (1989 nos EUA e 1990 no Brasil), antecipando-se ao Super Nintendo, que seria lançado apenas em 1990 no Japão (1991 nos EUA e 1993 oficialmente no Brasil). Essa largada antes da hora deu vantagem à Sega e foi uma grande oportunidade para estabelecer sua presença e construir uma base de fãs antes que a concorrente entrasse na disputa. Os dois consoles, embora similares em potência, tinham arquiteturas e filosofias bastante distintas.

O Mega Drive vinha com processador Motorola 68000 de 7,6 MHz, que a Sega promovia habilmente com o termo “Blast Processing”, sugerindo mais velocidade e capacidade de processamento. Já o Super Nintendo trazia um processador Ricoh 5A22 de 3,58 MHz que, embora no papel fosse mais lento, era complementado pelo famoso “Mode 7”, um modo gráfico que permitia efeitos de rotação e escala que simulavam ambientes 3D impressionantes para a época. Além disso, o SNES oferecia uma paleta de 32.768 cores contra apenas 512 do Mega Drive, mas o console da Sega geralmente entregava jogos com ação mais rápida e dinâmica.
Essas diferenças se estendiam para além do hardware dos consoles. A Nintendo mantinha sua imagem familiar, focada em experiências para todas as idades, com rígidas políticas de qualidade e conteúdo. Seus jogos passavam por um rigoroso controle de garantia de qualidade, e limitava temas adultos e violência. A Sega, por outro lado, posicionou-se deliberadamente como a alternativa rebelde e descolada, voltada para adolescentes e jovens adultos, abraçando temas mais maduros e adotando uma atitude que desafiava abertamente o domínio da Nintendo.
O ápice dessa diferença pôde ser notado quando Mortal Kombat foi portado para os consoles. No centro da polêmica sobre como os videogames incitavam violência a jovens e crianças, o título sanguinolento de luta foi completamente censurado no aparelho da Nintendo, com o sangue dos personagens literalmente virando suor. Já no console da Sega, os jogadores podiam ativar um código secreto para ver o banho de sangue dos golpes e fatalities do jogo, sem qualquer censura.

Marketing agressivo e estratégias ousadas
A guerra ganhou ainda mais amplitude no campo do marketing. A Sega dos EUA, liderada pelo visionário Tom Kalinske, desenvolveu algumas das campanhas publicitárias mais agressivas e memoráveis da história dos videogames. O slogan “Genesis does what Nintendon’t” (Genesis faz o que o Nintendo não faz) atacava diretamente o concorrente, algo raramente visto até então. Comerciais de TV comparavam diretamente os jogos nos dois sistemas, sempre destacando a superioridade visual do Mega Drive, enquanto a imagem da Nintendo era retratada como infantil e ultrapassada.
O lançamento de Sonic the Hedgehog em 1991 foi provavelmente o movimento estratégico mais brilhante da Sega. O veloz ouriço azul foi concebido especificamente para ser o anti-Mario: rápido onde o encanador era metódico, rebelde onde o mascote da Nintendo era adorável e descolado onde o rival era fofo. Sonic incorporava perfeitamente a atitude da Sega, e seu jogo de estreia demonstrava magnificamente o “Blast Processing” ao apresentar níveis com velocidade vertiginosa que o SNES supostamente não conseguiria reproduzir.
A Nintendo, por sua vez, não ficou parada. Embora menos agressiva em suas campanhas, a empresa apostou em sua reputação de qualidade e em franquias estabelecidas. O “Selo de Qualidade Nintendo” era um símbolo de confiança para pais e jogadores, enquanto exclusivos como Super Mario World, The Legend of Zelda: A Link to the Past e posteriormente Donkey Kong Country mostravam que a empresa tinha os melhores desenvolvedores internos do mercado. Curiosamente, embora a Sega tenha conquistado uma fatia considerável do mercado ocidental, no Japão o Super Nintendo se manteve dominante durante toda a geração.
Jogos que definiram a geração dos 16-bits
A verdadeira batalha foi travada no campo dos jogos. O Super Nintendo ficou conhecido por seus RPGs espetaculares como Final Fantasy VI, Chrono Trigger e Secret of Mana, além de aventuras épicas como Super Metroid e o já mencionado A Link to the Past. A Nintendo construiu uma biblioteca de exclusivos de altíssima qualidade que permanecem relevantes até hoje, muitos considerados entre os melhores jogos já feitos.

O Mega Drive, por sua vez, brilhava com a velocidade da franquia Sonic, a brutalidade de Mortal Kombat e séries como Streets of Rage e Shinobi, que aproveitavam ao máximo o apelo mais adulto da plataforma. Títulos como Ecco the Dolphin e Gunstar Heroes mostravam que o console da Sega também podia entregar experiências únicas e inovadoras.
A guerra também se manifestava nas versões diferentes do mesmo jogo para cada plataforma. Street Fighter II, por exemplo, era tecnicamente superior no console da Big N, com cores mais vibrantes e som mais fiel ao arcade, mas a versão do Mega Drive permitia que jogadores configurassem os controles e incluía o modo turbo sem necessidade de comprar uma nova versão do jogo.
No Brasil, onde o Mega Drive foi distribuído pela Tectoy e fez enorme sucesso, jogos localizados como Ayrton Senna’s Super Monaco GP II, “exclusivos” como Turma da Mônica na Terra dos Monstros e versões traduzidas para português contribuíram significativamente para a popularidade do console da Sega.
Reviravolta inesperada: a chegada de um novo competidor
Em meio a essa batalha acirrada, um terceiro concorrente surgiu, mudando completamente as regras do jogo.
A Sony, uma empresa sem histórico no mercado de videogames, lançou o PlayStation em 1994 no Japão (1995 no ocidente), inaugurando a geração de 32-bits e o formato CD-ROM como padrão para jogos. O que poucos sabiam na época é que o PlayStation nasceu, ironicamente, de uma parceria fracassada entre Sony e Nintendo.
Originalmente, a Sony estava desenvolvendo um drive de CD para o Super Nintendo, mas a Nintendo rompeu o acordo unilateralmente, temendo perder o controle sobre a produção de jogos (os cartuchos permitiam maior controle e geravam royalties significativos). Sentindo-se traída, a Sony decidiu seguir sozinha e desenvolver seu próprio console, recrutando desenvolvedores insatisfeitos com as políticas da Nintendo e aproveitando a experiência da Sega, que já havia tentado, sem grande sucesso, adicionar um drive de CD ao Mega Drive com o Sega CD.

O PlayStation rapidamente conquistou desenvolvedores e jogadores com a capacidade superior de armazenamento em CD, permitindo jogos maiores e com vídeos e áudio de melhor qualidade, gráficos 3D impressionantes e uma abordagem de marketing que mirava um público ainda mais adulto.
Enquanto Nintendo e Sega continuavam sua disputa, a Sony silenciosamente construía um império que acabaria por superar ambas. Títulos como Final Fantasy VII, Metal Gear Solid, Resident Evil e Tomb Raider definiram uma nova era de jogos, com narrativas mais complexas e ambientes tridimensionais extremamente imersivos e reais.
Quem venceu a Guerra de Consoles?
Determinar um vencedor na Guerra dos Consoles dos anos 1990 é uma tarefa complexa que vai além dos números de vendas. Globalmente, o Super Nintendo superou o Mega Drive com aproximadamente 49 milhões de unidades vendidas contra 30 milhões. No entanto, nos Estados Unidos, mercado então mais lucrativo para videogames, o Mega Drive chegou a dominar com 55% de participação em seu auge, um feito e tanto considerando o monopólio anterior da Nintendo.
No Brasil, o Mega Drive teve um sucesso estrondoso graças à distribuição eficiente da Tectoy, que não apenas localizou jogos como também produziu versões exclusivas e adaptações de programas da TV Globo. A Tectoy forneceu suporte local quando o Super Nintendo, distribuído pela Playtronic (parceria entre Gradiente e Estrela), ainda engatinhava no país, garantindo ao console da Sega uma vantagem considerável por aqui.
A verdadeira vitória talvez tenha sido dos jogadores, que se beneficiaram da competição. A guerra entre Sega e Nintendo incentivou inovação, preços mais acessíveis e uma quantidade e variedade impressionantes de jogos de qualidade. Além disso, essa rivalidade ajudou a expandir significativamente o mercado de videogames, transformando-o de um nicho infantil para um gigantesco setor de entretenimento que hoje supera a indústria do cinema e da música combinadas.

Contudo, se analisarmos o cenário “pós-guerra”, é evidente que o verdadeiro vencedor foi o terceiro competidor que entrou na batalha mais tarde: o PlayStation. Ao fim da era dos 16-bits, a Sony já havia estabelecido um domínio que a Sega nunca conseguiu superar com o Saturn e que a Nintendo só conseguiu desafiar parcialmente com o Nintendo 64. O PlayStation vendeu mais de 100 milhões de unidades, mais que o dobro de seu concorrente mais próximo naquela geração.
Por que a Guerra dos Consoles dos anos 1990 ainda é importante?
O legado dessa época dourada dos videogames permanece vivo e relevante até hoje. As estratégias de marketing agressivas da Sega mostraram como posicionamento de marca e mensagens direcionadas podem desafiar até mesmo quem tem ampla margem de liderança no mercado. A Nintendo, por sua vez, comprovou a importância da consistência e qualidade, valores que ainda são pilares de seu sucesso nos dias atuais.

A Guerra dos Consoles dos anos 1990 também foi importante para a diversificação do público gamer. Ao desafiar a imagem infantil estabelecida pelos primeiros consoles, tanto Sega quanto Sony ajudaram a criar um mercado mais maduro que acompanhou o envelhecimento dos primeiros jogadores. As classificações etárias para jogos, agora um padrão da indústria, surgiram em resposta às controvérsias dessa era, particularmente em torno de jogos como Mortal Kombat e Night Trap.
Hoje, quando vemos PlayStation e Xbox em suas campanhas de marketing, exclusivos disputando a atenção dos jogadores, e a Nintendo seguindo seu próprio caminho, estamos essencialmente testemunhando uma evolução direta daquela primeira grande guerra. A diferença é que agora, com orçamentos bilionários e alcance global, as táticas pioneiras dos anos 1990 foram refinadas e ampliadas para um novo escopo.
A nostalgia pelos consoles dessa época permanece extremamente forte, comprovada pelo sucesso de relançamentos como o Mega Drive Mini, SNES Classic Edition e PlayStation Classic. Esses consoles vendem por seus jogos e principalmente pela memória afetiva de uma época em que escolher lados era parte fundamental da experiência gamer.
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